França. Baguettes, Torre Eiffel, Champagne, Disneyland e Terror. Terror? Sim, terror. Contrariando o que se tem vindo a fazer no outro lado do Atlântico, onde os EUA se ocupam a fazer remakes de filmes de terror asiáticos bem como dos seus próprios clássicos de Terror, a França tem vindo a produzir filmes que pura e simplesmente rompem todos os limites. A chamada New Wave of French Horror, caracterizada por uma intensidade e uma violência brutal, tem vindo a revolucionar o panorama actual deste género.
Numa altura em que cada filme é simplesmente mais brutal que o anterior, os franceses estão a tomar conta do género, mantendo-o constantemente interessante.
Gostaria ainda de realçar que não me considero o maior fã deste género de filmes, mas reconheço que quando um filme de terror é excelentemente executado, consegue suscitar uma panóplia de emoções nos seus espectadores de uma forma que, provavelmente, não se consegue noutros géneros.
Falando no que se tem feito nos EUA, creio que o primeiro filme da saga Saw foi o último filme de terror americano que considerei bom. O mesmo não posso dizer das suas sequelas. Aborrecem-me. A fórmula é sempre a mesma, e sinceramente, não consigo distinguir o Saw 2 do Saw 3, do 4, do 5, e por aí adiante. E acho que é nesse ponto que a França se distingue fortemente. Apesar dos seus filmes apresentarem bastante gore, à semelhança daquilo que se observa na já referida saga Saw e em filmes como o Hostel, os filmes franceses apresentam ainda fortes personagens que são bem caracterizadas e interpretadas – algo, que a meu ver, falha completamente nos filmes americanos.
Falando agora nalguns títulos franceses que têm evocado a tensão que se fez sentir no pináculo deste género (que ocorreu, diria, nos anos 70, em que filmes como o Texas Chain Saw Massacre, Halloween e The Exorcist espalhavam o medo um pouco por todo o mundo) destaco os seguintes:
Haute Tension (Aja, 2003) – Uma verdadeira montanha russa de emoções. A premissa do filme não é algo propriamente de inovador – Duas amigas vão para uma casa de campo isolada para estudar para os exames, e nessa altura, surge um misterioso serial killer que torna a estadia num verdadeiro inferno. Contudo, a montagem do filme exerce uma grande influência na criação de um clima de suspense tornando-o bombástico. A montagem, aliada a uma banda sonora que assenta o filme como uma luva (adoro a inclusão da música New Born dos Muse numa das cenas que considero como mais empolgantes) tornam a experiência altamente dinâmica. O filme é também um exercício interessante em termos de narrativa – a abordagem convencional de conceitos como a própria narrativa e identidade são aqui questionados através do seu twist. É o meu preferido desta nova New Wave.
À L’intérieur (Maury & Bastillo, 2007) – Um slasher que conta a história de uma mulher grávida (Sarah) que se vê envolvida num acidente de viação. Na véspera de Natal (véspera também do nascimento do seu filho) Sarah é abordada, na sua própria casa, por uma desconhecida mulher que, aparentemente, sabe mais sobre Sarah do que aquilo que devia. Neste filme destaco a fotografia: Existem inúmeras cenas que estão muitíssimo bem iluminadas e filmadas, mantendo um tom sinistro durante todo o filme – desde a cena em que nos apercebemos que a desconhecida está dentro de casa e vai lentamente desaparecendo na escuridão da casa até à última imagem do filme. O filme é constantemente marcado por um grande negativismo, sendo que a última imagem do filme é algo extremamente pessimista, na minha opinião. Contudo, o argumento padece de alguns grandes problemas. Com as reviravoltas que mostra, o argumento tende a pender para o campo do ridículo, o que se traduz numa redução do realismo que o filme pretendesse mostrar. De qualquer forma, após verem este filme, duvido que irão olhar para uma tesoura da mesma forma que olhavam antes.
Martyrs (Laugier, 2008) – É um filme muito forte, e não é propriamente aconselhável a quem tenha estômagos fracos. Tendo sido o primeiro filme francês a receber uma classificação de 18+ (proíbido a todas as pessoas com menos de 18 anos), levantou-se uma grande polémica em redor do mesmo. O seu conteúdo, efectivamente, não pede por uma classificação mais benevolente, contudo, através de diversos apelos o filme conseguiu baixar a sua classificação, para maiores de 16.
A História: O filme começa com imagens de uma jovem rapariga (Lucie) a fugir de uma espécie de armazém abandonado, onde foi sujeita a tortura durante um longo período de tempo. Flashforward 15 anos, e vemos uma feliz família a desfrutar do seu pequeno almoço, sendo interrompidos por alguém que bate à porta. Lucie entra de rompante por dentro da casa, matando a família toda, afirmando que os adultos da mesma foram as pessoas que a torturam quando era criança. Lucie telefona à sua melhor amiga, Anna, para a ajudar a limpar a cena do crime. Desenrola-se o drama, mais acontecimentos infelizes ocorrem, até ao meio do filme, sensivelmente. O que parecia ser um filme que se inseria na categoria de slasher sofre uma rotação de 180º passando agora a assumir uma natureza bem mais obscura. Na sequência do filme, Anna vê-se nas mãos de uma organização religiosa extremista que tem como objectivo tornar jovens raparigas em mártires – neste contexto, um mártir é alguém que testemunha, que observa – com o intuito de descobrirem o que acontece após a morte de uma pessoa. Essa organização acredita que, através de um conjunto de actos de tortura sistemáticos, as jovens raparigas conseguem alcançar um estado transcendental que permita ver o mundo do além, derivado de uma dor extrema. Desta forma, a segunda parte do filme é extremamente difícil de se ver, e creio que é a principal razão pela qual o filme obteve incialmente uma classificação de 18+. A personagem principal do filme, Anna (muito bem desempenhada pela actriz Morjana Alaoui), é forte e bastante bem escrita. No meio daquele caos e desespero todo, ela é a única personagem que incute ao filme uma espécie de humanidade.
De qualquer forma, o terror que vem de França tem vindo a ser considerado como o estado da arte do género. Mas onde se estabelecem os limites? Ou simplesmente não existem limites morais no que concerne à criação de arte e sua distribuição? Depois do Martyrs, estou para ver até onde vão os franceses nesta sua onda.
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