Tendo sido desenvolvido originalmente como um pilot para uma possível série televisiva, Mulholland Drive foi rejeitado. Face a este acontecimento, o seu realizador optou por reunir os fundos necessários que o permitissem desenvolver o filme com o intuito de ser exibido nas salas de cinema. David Lynch fez, decididamente, a escolha acertada, pois o filme obteve uma recepção crítica excelente, valeu-lhe uma nomeação para Melhor Realizador, e mais recentemente, Mulholland Drive foi ainda nomeado como o melhor filme da década (2000-2009) por uma grande variedade de críticos.
Sendo notório pelo facto dos seus filmes mergulharem frequentemente nas temáticas do surrealismo e de explorarem o mundo do subconsciente, David Lynch manteve a sua expressão de marca e continuou a explorar esses mesmos temas neste filme, aperfeiçoando a sua técnica.
Breve Síntese: Diane (Naomi Watts) muda-se para Los Angeles com o objectivo de perseguir uma carreira como actriz, após ter vencido um concurso de dança. Numa audição Diane apaixona-se por outra actriz, Camilla (Laura Harring). Uma vez que Camilla mantém relações tanto com homens, como com mulheres, os ciúmes começam a apoderar-se de Diane. Durante as filmagens de uma cena de um filme que conta com a participação de ambas as actrizes, Diane apercebe-se da cúmplice relação que Camilla tem com Adam (Justin Theroux), o realizador do filme. Posteriormente, numa festa privada, Camilla e Adam anunciam o seu casamento, o que cega Diane com raiva. Neste estado, Diane contrata um hitman para assassinar Camilla por todo o sofrimento que esta lhe tem causado. A solidão instala-se na vida de Diane, assolando-a, fazendo com que imirja num mundo de fantasia, num sonho, onde tudo acontece da forma que Diane sempre quis. Quando desperta, a culpa derivada dos seus actos consome-a levando-a ao suicídio.
A narrativa do filme não segue uma estrutura tradicional, onde o príncipio, o meio e o fim surgem como ordem natural. A sua não-linearidade confere ao filme um elevado grau de complexidade que requer um enorme grau de atenção por parte do espectador. No final de contas, o filme é um puzzle. Contudo, o grande nível de atenção ao detalhe que o realizador injecta no filme, e o forte simbolismo subjacente às diversas cenas que o compõem dão-lhe um carácter portador de uma grande originalidade.
É um filme sedutor. A fotografia é excepcional e fulcral para a criação de um ambiente misteriosamente sensual. A banda sonora está também em consonância com as temáticas que são exploradas no filme, para além de que desempenha um papel fundamental numa das cenas chave do filme (cena do Club Silencio. O uso do som nesta cena é de uma importância tal que ajuda o espectador a perceber o que está a acontecer).
E não poderia falar deste filme sem mencionar a extraordinária interpretação da Naomi Watts. O Mulholland Drive foi o filme que a catapultou para as luzes da ribalta em 2001, e que lhe abriu as portas necessárias para assegurar uma carreira estável em Hollywood (dois anos depois, Naomi Watts estaria a receber a sua única nomeação para os Óscares até à data, pelo filme 21 Grams). Aqui, Naomi Watts demonstra todo o seu talento interpretando duas personagens que são o oposto uma da outra, de uma forma extremamente natural e credível. Por um lado temos Betty (a personagem do "sonho") – eternamente optimista, determinada, humilde, talentosa, e nobre. No outro lado do espectro temos Diane (a personagem da "vida real") – vingativa, extremamente pessimista, derrotista, sem grande talento e patética. A forma de como a Naomi Watts efectua esta transformação de 180º de maneira tão convincente e precisa é algo admirável. É, na minha humilde opinião, a melhor interpretação que já alguma vez vi num filme.
Concluindo, ver (preferencialmente, com uma mente aberta) o Mulholland Drive é uma verdadeira viagem ao mundo do subconsciente, que trabalha na razão e na emoção dos seus espectadores. Altamente recomendado.
Nós que admiramos esse filme quase inclassificável somos tentados a pensar: e se a série televisiva tivesse vingado? Teria sido um passo além do que a genial TWIN PEAKS já representara no início dos anos 90?
ResponderEliminarFilmes nem tão calcados numa narrativa linear e clara como este podem cair na confusão, mas Lynch é mestre nesse terreno. Grande filme.
Concordo com aquilo que disseste! E quando soube que o Mulholland Drive esteve para ser uma série televisiva fiquei a ponderar seriamente o quanto mais poderia trazer àquilo que o filme já trouxe.
ResponderEliminarQuanto ao Twin Peaks, até tenho vergonha de dizer, mas é das únicas coisas do Lynch que ainda não tive oportunidade de ver - isso, e o Eraserhead. Contudo, já ando a fazer todos os possíveis para começar a ver Twin Peaks. Creio que vou adorar.
Thanks for stopping by :)
Pesadelo de contornos tão bizarros quanto estranhíssimos, mergulhadas em técnica brechtiana. Um filme brilhante e tão denso, tão misterioso. É um filme sublime.
ResponderEliminarCumps.
Roberto Simões
CINEROAD – A Estrada do Cinema