terça-feira, 1 de maio de 2012

As Brincadeiras de Haneke


Uma família decide ir passar duas semanas na sua casa de férias. Paz e descanso na idílica localidade. A caminho da sua casa, passam pelos seus vizinhos. Apercebem-se de duas pessoas que não tinham conhecido anteriormente, e o clima está pesado. O pacífico ambiente que conhecem não reflecte em nada o que lhes espera.
“São 4 ovos se faz favor”. Um ordinário pedido feito por um jovem bem-educado e bem apresentado. Um pedido que despoleta o inferno em que a família se irá encontrar. Algo tão banal como ovos. Dois jovens fincam o pé: Os ovos partiram-se e querem mais. Intitulam-se ao direito de terem mais ovos só porque sim. Porque não haveriam de o fazer? Porque não ir mais longe e tomar a família como refém para a participação nos seus dementes jogos? Para os dois jovens isso faz sentido. O jogo é relativamente simples: A família tem que sobreviver até a manhã do dia seguinte.


Funny Games é um filme extremamente pesado, denso. Impiedosamente violento, também. O propósito de colocar o espectador frente a frente com uma tão fria demonstração de violência, com o intuito de fazer com que este se questione sobre o que está a ver é, em parte, conseguido pela mão de Haneke. É um filme violento, mas não demonstra sê-lo directamente no ecrã. Incita à reflexão, mas não é propriamente subtil nesse aspecto. É incisivo e extremamente manipulador, e neste sentido existe uma particular cena que representa a epítome do poder manipulativo exercido por Haneke. Case in Point: A cena do comando. É provavelmente a cena mais notória do filme, e é também uma cena que revela um certo grau de cinismo. Francamente contra a violência nos vários meios, Michael Haneke rebobina determinada instância (curiosamente, o único acto explícito de violência do filme), apenas para apontar o dedo ao espectador por ter “celebrado” esse momento em que a vítima decide actuar em prol da sua própria sobrevivência. Contudo, nos momentos seguintes, o realizador continua a alimentar o espírito que tanto critica.


Para mais eficazmente passar a mensagem do seu impactante filme, Michael Haneke optou por fazer um remake do seu próprio filme. Muda a língua (o alemão passa a inglês) e o elenco (Tim Roth, Naomi Watts, Michael Pitt e Brady Corbet substituem Ulrich Muhe, Susanne Lothar, Arno Frisch e Frank Giering, respectivamente), e tudo o resto mantém-se inalterado. Não sei até que ponto é que um remake terá sido a melhor forma de difundir a mensagem, dado que o filme original é substancial o suficiente para garantir que a sua mensagem ecoe ao longo dos anos. No entanto, e a fraca performance do remake no box-office norte-americano acaba por “dar a vitória” a Haneke. A título de curiosidade, o realizador terá dito a um dos produtores que se o filme fosse um sucesso, então seria porque a audiência não teria percebido o significado por detrás do mesmo.

Independentemente da controvérsia que poderá ter suscitado aquando do seu lançamento, Funny Games não deixa de ser um ponto de interesse no cinema europeu dos anos 90.  Quanto ao remake – e por ser cópia exacta do filme original – não perderia tempo em vê-lo a não ser que (1) não tenham visto o original; (2) sejam ávidos fãs do realizador e queiram ver toda a sua obra; ou (3) tenham gostado do original e queiram revisitá-lo com uma “cara lavada”.

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